Deus tenha piedade...( desabafo de meu filho)

Olá, caro leitor que eu nunca vou conhecer do blog da minha mãe. Hoje tô escrevendo esse texto revoltado, irritado, e até com um pouco menos da minha esperança já escassa na humanidade.

Hoje de manhã, fui com a minha turma da escola doar roupas. Nós reunimos algumas para vender em um bazar para arrecadar dinheiro para a viagem de concluintes da oitava série, mas já a fizemos e não precisamos mais do dinheiro.

A priori, pensamos em doar para crianças carentes, mas nossa diretora mudou os planos e nos jogou pra o lugar mais traumatizante e triste que eu já vi e provavelmente verei na minha vida: um asilo.
O objetivo era doar para o bazar que os donos do asilo iam fazer para arrecadar dinheiro.
Ao pisar ali, meus "amigos" começaram a reclamar. Disseram coisas como "prefiro doar para as crianças", me deixando profundamente irritado. Como se os velhinhos não precisassem de dinheiro.
Entramos, todos em fila brasileira (completamente desorganizada), com alguns mal-educados que falavam mais alto que deveriam. Tudo bem.
Ao passarmos pela recepção e entrarmos no longo quarto cinzento com várias camas distribuídas na esquerda e na direita, senti um vazio tão grande que seria irrelevante descrever em palavras.
Senhoras de várias idades deitadas nas camas. Até ai tudo bem, mas o que me deu mais tristeza foi como elas estavam.
Uma não se importava com duas moscas que tinham pousado no rosto adormecido da senhora; provavelmente nem a sentiu. Oura acenava para nós sem parar, mexendo os lábios sem produzir nenhum som aparente.
Seguimos em frente, e passamos no corredor. A essa altura, eu já estava andando um pouco atrás do grupo,  pronto para irromper em lágrimas a qualquer momento. Passamos por uma senhora sentada em uma cadeira  com um pedaço de madeira batendo delicadamente no assento ao seu lado, tão concentrada que nem nos notou. Meus instintos mais ou menos aguçados sussurravam nos meus ouvidos, como gritos infernais que penetravam minha alma, as seguintes palavras: "Para ela, tem alguém nessa cadeira."
Admito que soltei uma lágrima sem querer (não sou do tipo que demonstra sentimentos na frente de macacos subdesenvolvidos como meus colegas de classe), mas graças ao meu plano de me manter atrás do grupo, ninguém viu.
Saímos logo depois (ainda bem, pois não acredito que eu ia conseguir aguentar muito mais tempo).
Aqui eu tento descrever o que eu senti, esperando que ajude a liberar os sentimentos e fazer eu me sentir melhor. Porque o pensamento de que aquelas pessoas são sozinhas não me deixou até agora. O sentimento de tristeza e vazio não sumiu. E a voz que sussurra nos meus ouvidos, dizendo que a morte é a unica salvação dessas pobre almas abandonadas por Deus não me deixou me concentrar em muita coisa além das lágrimas que inevitavelmente saíram dos meus olhos no momento que fechei a porta do meu quarto.
E principalmente, a raiva e vergonha alheia que sinto dos primatas que esqueceram de evoluir que alguns chamam de adolescentes, mas que eu gosto de chamar de "desgraça da humanidade", de levar aquelas pessoas na brincadeira. De chamar alguns de zumbis, de dizer que aquele lugar era legal porque tinha comida de graça.
Eu não devia me envolver. Não faz sentido alguém como eu, alguém que entende o quanto a esperança e a felicidade estão escassas hoje em dia, ter sentido tamanho choque ao ver aquilo. Não faz sentido eu chorar quando meu corpo não é ameaçado ou atacado, e muito menos quando meu cérebro funciona normalmente, sem pressão externa. Não faz sentido alguém tão cínico quanto eu, que acredita que os humanos estariam melhor sem nunca terem existido, querer dar uma vida boa para aquela gente. Querer dar apoio, carinho, ajuda, amor...
Por hoje, é isso. Espero não ter transmitido minha desesperança para você, leitor. Espero também que você tente fazer alguma coisa além de rezar; porque até agora, Deus não ajudou tanto assim. Vá ajudar, doe, dê carinho, converse com eles. Para alguém sem ninguém, cinco minutos de conversa por semana já tornam sua  vida maravilhosa.

Com dor, receio, descrença, e até uma pitada de raiva,

Heitor Ayres B. França.

Comentários

  1. Demais Heitor. Gostei de seu texto: sincero, honesto e bastante inteligente. Você mostrou bem que estamos distantes de sermos pessoas com sencibilidade e educação. Parabéns.

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    1. Obrigada Calazans, Heitor ficou muito feliz com o seu comentário. E eu também, cheia de orgulho do meu filho.

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  2. Cumade, como esse texto me emocionou... Seu filho é um ser humano lindo e sensível. Que pérola!!! Quando a gente vê pérolas assim saindo da boca dos nossos filhos, dá uma sensação de ter deixado um tesouro para a humanidade, não é? Um beijo e fale pra Heitor.

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    1. É essa mesmo a sensação Edinéa. Sinto que deixei uma grande contribuição para a humanidade, que minha vida valeu a pena por ter dado à luz uma pessoinha que sinaliza ter os meios de tornar melhor a realidade concreta na medida em que é capaz de observar, vivenciar e partilhar impressões sobre, como disse minha amiga Ester, a condição humana. Com compaixão, com indignação e com coragem.

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  3. Sensibilidade e consciência moral e social são atributos raros nos jovens de hoje. Tenho muito orgulho da pessoa maravilhosa que é o meu sobrinho.

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  4. Senti o mesmo Heitor.
    Mais fazer o que? A vida é assim, uns com tantos e outros sem nada.
    Mais podemos fazer a diferença, ainda há tempo.
    Nada melhor do que dar amor e carinho a quem realmente precisa.
    Beeijos

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